No último dia 15, mentes brilhantes se reuniram no Salão Nobre da Reitoria da UFRPE durante a 77ª Reunião Anual da SBPC para debater o tema “Da Ordem Unipolar à Nova Era Multipolar”.
Participaram do encontro o economista Elias Jabour, o jornalista Luís Nassif, o professor Renato Janine Ribeiro, o ex-ministro Sérgio Machado Rezende e o secretário-executivo do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luís Fernandes, que compartilharam seus conhecimentos sobre a nova era global, sua origem e o papel do Brasil nessa nova configuração política e econômica.
Este tema tem gerado discussões significativas, especialmente em relação ao uso do poder econômico pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e suas recentes imposições tarifárias sobre produtos de vários países.
O debate centrou-se em como o mundo transicionou da Guerra Fria para uma era unipolar, dominada pelos Estados Unidos após o colapso da União Soviética, e mais recentemente, para a atual configuração multipolar, onde diversos atores competem por influência no cenário internacional.
De Bretton Woods ao declínio da hegemonia americana
Depois da Segunda Guerra Mundial, o mundo estabeleceu uma nova ordem econômica com os Acordos de Bretton Woods (1944), que institucionalizaram o dólar como a moeda central do sistema financeiro global, inicialmente respaldada pelo ouro. Essa dolarização conferiu aos EUA uma hegemonia econômica e geopolítica por várias décadas.
Durante a Guerra Fria, o sistema global era bipolar, dividido entre os blocos liderados pelos EUA e pela União Soviética. Contudo, a queda da URSS em 1991 permitiu que os EUA se tornassem a potência hegemônica incontestada, dando início à era unipolar.
O papel da ciência e do conhecimento no desenvolvimento
O professor Sérgio Rezende ressaltou a relação direta entre o progresso das nações desenvolvidas e o investimento contínuo em ciência, educação e tecnologia.
Ele citou exemplos dos Estados Unidos, da União Soviética e da China. Nos EUA, esse processo começou com a fundação de Harvard em 1636, e ao longo dos séculos, o país desenvolveu universidades e centros de pesquisa que fomentaram inovações que garantiram sua liderança global, especialmente após a Segunda Guerra Mundial.
Durante a Guerra Fria, a União Soviética utilizou a ciência como um instrumento estratégico de desenvolvimento e competição internacional, evidenciado pelo lançamento do satélite Sputnik. A China, mais recentemente, demonstrou como investimento em conhecimento pode reposicionar uma nação, tornando-se líder em setores como inteligência artificial, energia limpa e biotecnologia, solidificando seu papel na economia e na política global.
Ascensão de uma ordem multipolar
Nas últimas décadas, a hegemonia dos EUA mostrou sinais de erosão, enquanto uma ordem multipolar começou a se afirmar. A China se estabeleceu como a segunda maior economia do mundo, ampliando sua influência por meio da Iniciativa do Cinturão e Rota e do fortalecimento do yuan em transações internacionais. A Rússia também recuperou protagonismo militar e energético, especialmente após a anexação da Crimeia em 2014 e a guerra na Ucrânia.
Nessa mesma trajetória, os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã) têm buscado alternativas à hegemonia do dólar, promovendo acordos bilaterais e multilaterais em moedas locais e discutindo a possibilidade de criar uma moeda comum para o comércio entre os membros.
Essa transformação também se manifesta com a crescente popularização das criptomoedas, que, apesar da resistência institucional, têm sido aceitas até por líderes como Donald Trump, que passou a aceitar doações em criptoativos, desafiando o sistema monetário tradicional baseado no dólar.
Qual é o papel do Brasil nessa nova configuração?
Elias Jabour argumentou que historicamente o Brasil se desenvolve a partir de tendências externas. “JK, por exemplo, estabelece seu plano de metas com base na entrada de capital americano no Brasil, na tendência do automóvel”.
“Hoje, essa tendência é a integração produtiva total com a China. Esse movimento pode abrir oportunidades significativas para a reindustrialização do Brasil, mas não se deve limitar às negociações atuais entre os dois países. É necessário ter uma estratégia mais sofisticada para moldar nosso futuro”, acrescentou Elias.
Luís Nassif endossou a perspectiva de Jabour, ressaltando que “JK, ao definir seu plano de metas, exigiu que as indústrias automobilísticas que viessem ao Brasil tivessem capital brasileiro na empresa principal. As indústrias de autopeças também precisavam ser brasileiras. Ao olharmos para a BYD, notamos isenções, mas ainda falta uma contrapartida clara para o Brasil”, destacou.
Os debatedores mostraram que o mundo está avançando em direção a uma ordem multipolar e multidimensional, onde não existe um único centro de poder, mas uma luta aberta entre potências, blocos econômicos, sistemas financeiros alternativos e tecnologias descentralizadas.