Um conjunto de documentos obtidos por pesquisadores da Universidade Vanderbilt, nos Estados Unidos, revela que o governo chinês estaria utilizando empresas nacionais de tecnologia para conduzir operações sofisticadas de propaganda apoiadas por inteligência artificial (IA), com velocidade e precisão sem precedentes.
O material, atribuído à empresa chinesa GoLaxy, mostra que a companhia elaborou perfis de dados de pelo menos 117 parlamentares norte-americanos e de mais de 2.000 líderes políticos e formadores de opinião nos EUA. A análise também aponta o monitoramento de milhares de influenciadores de direita e jornalistas.
Operações de influência em escala inédita
De acordo com Brett Goldstein, ex-chefe do Defense Digital Service e membro da equipe de Vanderbilt que examinou os arquivos, o caso representa um novo nível de conflito em “zona cinzenta”, termo usado para descrever ações que ficam no limite entre a diplomacia e a guerra aberta.
O general reformado Paul Nakasone, ex-diretor da Agência de Segurança Nacional (NSA) e atual diretor do Instituto de Segurança Nacional de Vanderbilt, afirmou que essas operações são conduzidas “com eficiência, velocidade e escala nunca vistas antes” em comparação a campanhas de manipulação anteriores realizadas por adversários estrangeiros.
Ligações com interesses estratégicos de Pequim
Fundada em 2010 por um instituto ligado à Academia Chinesa de Ciências, a GoLaxy atua de forma alinhada às prioridades de segurança nacional da China. Embora não haja confirmação pública de controle direto pelo governo, os documentos sugerem colaboração com setores de inteligência, partido e forças armadas chinesas.
A empresa teria coordenado campanhas contra Hong Kong e Taiwan, utilizando um sistema de disseminação de conteúdo chamado “GoPro” para propagar mensagens em redes sociais. Uma postagem antiga no blog da GoLaxy, posteriormente removida, indicava que suas ferramentas de IA foram apresentadas a autoridades policiais e de segurança da China.
Negativa e posicionamento oficial
Em resposta ao jornal The New York Times, a GoLaxy negou coletar dados específicos sobre autoridades norte-americanas, afirmando basear seus produtos apenas em informações de código aberto.
O porta-voz da embaixada chinesa em Washington, Liu Pengyu, declarou que a China está desenvolvendo um sistema de governança de IA com “características nacionais distintas”, equilibrando inovação, segurança e inclusão, além de implementar políticas, diretrizes éticas e leis sobre serviços algorítmicos, IA generativa e segurança de dados.
Preocupações sobre impacto e regulação
Especialistas alertam que o uso de IA para amplificar operações de influência não é inédito, mas a sofisticação apresentada pelo caso GoLaxy vai além de experiências anteriores. Max Lesser, analista da Foundation for Defense of Democracies, pondera que ainda não há clareza sobre o real impacto dessas tecnologias na eficácia das campanhas.
A discussão também esbarra em questões políticas internas nos EUA. Durante a administração Trump, órgãos voltados ao monitoramento dessas operações foram desmantelados, sob acusações de censura a conteúdos online. Mais recentemente, a comunidade de inteligência norte-americana evitou avaliar o impacto das campanhas estrangeiras por temer violar direitos de liberdade de expressão ao analisar postagens de cidadãos.
Para Nakasone, é necessário que o setor privado e o meio acadêmico desempenhem papel ativo no desenvolvimento de métodos mais eficazes de detecção e neutralização dessas operações. Ele defende uma abordagem de “engajamento persistente” contra adversários, reforçando que identificar e desativar essas redes deve ser prioridade.