No sul da Bahia, um projeto inicialmente voltado à revitalização de uma biblioteca fechada há 15 anos evoluiu para um dos mais relevantes festivais literários do Brasil. O Caju de Leitores, realizado na Aldeia Xandó, em terras Pataxó, destaca-se como um importante espaço para a emergente geração de escritores indígenas, que agora têm a oportunidade de contar suas próprias histórias e colocar os povos originários no centro da produção literária.
O festival já triplicou o número de publicações de autores locais e tem contribuído para a inserção de obras indígenas nos currículos escolares e em importantes festivais literários do país. O nome “Caju de Leitores” faz alusão à fruta nativa e à sigla de Caraíva Juvenil, refletindo o compromisso dos organizadores com a promoção da leitura entre jovens indígenas e a construção de um diálogo entre a tradição oral e o mercado editorial.
O surgimento do festival remonta a 2014, quando Joanna Savaglia percebeu a falta de acesso a livros na região, além da escassez de livrarias e o fechamento de uma biblioteca municipal desde 1999. Após uma campanha de financiamento coletivo que resultou na reabertura da biblioteca comunitária em 2015, o projeto conseguiu viabilização financeira através da Lei Rouanet em 2022.
Em suas três edições, o Caju não apenas revelou talentos como Sairi Pataxó, que publicará seu segundo livro pela editora Terra Redonda em 2025, mas também criou um espaço literário onde anciãos compartilham saberes orais e jovens os transformam em literatura. “O festival me mostrou que nossa voz importa”, afirma Sairi, cuja trajetória reflete o impacto do projeto, evidenciado por sua participação na Festa Literária Internacional de Cachoeira e na Bienal do Ceará, além da adoção de seu livro em escolas.
O impacto econômico do festival tem sido restrito à comunidade local, que conta com serviços indígenas para hospedagem, alimentação e transporte. Na sua quarta edição, o projeto já arrecadou mais de R$ 1,53 milhão por meio da Lei Rouanet.
A 4ª edição do festival, que começa nesta terça-feira (2) no Centro Cultural Indígena Pataxó, em Barra Velha, marcará o lançamento da coleção “Biografias Ancestrais”, com destaque para a obra de Thyrry Yatsô sobre a vida do Cacique Galdino, assassinado em Brasília em 1997.
Com o tema “A Voz da Terra”, o festival é reconhecido como o primeiro evento de literatura indígena do Brasil e foi incluído no calendário oficial de eventos de Porto Seguro (BA). A programação incluirá discussões sobre a língua Patxohã, consideradas essenciais para o resgate cultural, com Trudrua Macuxi destacando que a identidade indígena se mantém intacta mesmo frente à perseguição de suas línguas originais.
O evento também contará com uma rica programação cultural, incluindo contação de histórias, apresentações artísticas, feira de livros e rodas de conversa com autores e artistas indígenas. Entre os convidados estão diversas lideranças e pensadores indígenas.
O festival contará com dois palcos dedicados dentro do Centro Cultural Indígena Oca Tururim, nomeados em homenagem a lideranças indígenas da comunidade, onde diversas atividades — como lançamentos de livros e saraus — acontecerão.
Para Joanna Savaglia, a iniciativa representa o fortalecimento do protagonismo indígena na literatura. “Cada livro publicado é uma semente. Quando um jovem indígena se vê como autor, compreende que pode ser protagonista de sua própria história”, afirma. A idealizadora acredita que o festival, nascido de uma aposta ousada, demonstra que a literatura indígena não apenas resiste, mas floresce, transformando leitores em escritores e legado cultural em futuro literário.
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