quinta-feira, julho 31, 2025
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REVISÃO | Ready or Not revela que o inferno é um apartamento de 40m², onde quem está dentro tem menos a perder.

Créditos: Divulgação/VOID Interactive

Abri a porta devagar. Armei o espelho, chequei o vão, respirei como mandam os manuais. Do outro lado: ninguém. Apenas uma mesa caída, uma parede rachada e um eco que parecia vir de dentro da minha cabeça. Três segundos depois, um apito e um susto. Ufa, era o tutorial.

Sim, Ready or Not oferece um tutorial. Um complemento complexo e detalhado, repleto de placas explicativas, salas de simulação e armários com instruções. Mas não se engane: o jogo ensina como quem empurra alguém no mar para ensinar a nadar. É tanto comando que é difícil decorar inicialmente. Você aprende sob pressão. Aprende levando tiros. Aprende vendo seu time morrer porque gritou na hora errada.

No PS5, essa pressão tem textura. O DualSense transforma hesitação em feedback. O L2 é um puxão de TecMania. O R2, um veredito. O som 3D coloca vozes atrás da parede, passos no andar de cima, um suspiro no banheiro ao lado. Nada parece artificial. Nem o medo.

Entretanto, o que é mais artificial é o que foi tirado. A versão de console vem com ferrolho editorial. Sangue, sim. Mas menos. Desmembramentos muito leves, e apenas se o inimigo estiver vivo. A missão que mostrava uma garota em crise? Editada. Agora, ela dorme, quieta. A realidade foi censurada para se adequar às regras da Sony e da Microsoft. E para manter o crossplay funcionando, os cortes ocorreram também no PC. Um jogo sobre brutalidade que precisou suavizar sua própria dor para existir.

No entanto, você ainda entra, aponta a lanterna, grita “mãos pra cima!” e torce para que ninguém reaja. O problema é que quase sempre reagem. E você nunca é o mais rápido.

Sobre o que é isso aqui, afinal?

Se você lembra da franquia S.W.A.T., parabéns. Você tem idade suficiente para saber que a polícia não é feita apenas de heróis. Se não lembra, tudo bem. Ready or Not vai te ensinar da maneira mais dolorosa possível.

Sendo direto e reto: esse não é um jogo em que o objetivo é salvar reféns com frases de efeito. É gritar “mãos pra cima!” para um homem desarmado e atirar no calor do momento porque ele se mexeu. É sobre entrar numa creche abandonada e encontrar uma bomba. É sobre escolher entre abrir a porta devagar ou mandar o time explodir tudo. Ambas as opções podem dar errado. A diferença está apenas no número de feridos e mortos.

O jogo é sobre intervir em lugares quebrados, sabendo que você pode piorar tudo.

Básicamente, você comanda uma unidade de intervenção tática, uma SWAT, da cidade fictícia de Los Sueños, uma Los Angeles distorcida por corrupção, pobreza, tráfico e desespero. Seu trabalho? Executar missões que envolvem tudo do que dá vergonha admitir que existe: seitas apocalípticas, pornografia infantil, atentados, caos doméstico.

Tudo sob uma estética realista, fria, clínica. Sem música de fundo. Sem filtro dramático. Apenas as ordens curtas no rádio e o som do seu próprio fôlego dentro da máscara de gás.

Não é um jogo para dar tiros e matar. É um jogo sobre o risco constante de matar a pessoa errada. E isso te persegue. Cada decisão é tática. Cada erro é punido com a morte de alguém. Às vezes, você. Às vezes, um civil. E a equipe vai ficando mais estressada a cada missão.

Podemos dizer que Ready or Not é um simulador de tensão moral disfarçado de FPS tático. O problema é que ele disfarça bem demais.

A experiência no videogame: o tiroteio corre liso

É estranho falar em fluidez quando o jogo te obriga a andar como quem carrega um cadáver nas costas. Mas Ready or Not rodou liso no PS5. Liso como sangue em cerâmica.

Os carregamentos são rápidos e entrar numa missão leva menos tempo do que você leva para duvidar de si mesmo. Uma vez lá dentro, não percebi grandes engasgos, travamentos ou soluços visuais, mesmo com partículas, fumaça, sombras móveis e inimigos abrindo fogo. Foi tudo muito ok.

A performance não vacilou nem no multiplayer, embora valha ressaltar que estamos em um ambiente mais controlado com menos jogadores. Testei com quatro outros jogadores gritando comandos, chutando portas, jogando granadas em salas erradas. Nada quebrou. Nada caiu. Nem mesmo o meu controle.

E falando nele: o DualSense é cúmplice. Os gatilhos adaptativos resistem quando você segura uma arma pesada. O feedback tátil responde diferente para cada explosão, disparo, batida de aríete. A lanterna vibra sutilmente ao acender. Até o menu tem textura. Em toda escolha, o controle pergunta: você tem certeza?

O áudio 3D é outro animal. Dá para ouvir alguém tossindo no andar de cima. Dá para saber de que lado veio o passo. Dá para suspeitar, mesmo antes de ver, que tem alguém mexendo em uma arma atrás daquela porta. E o jogo não te dá HUD para confirmar. Apenas o som. E o instinto.

Graficamente, Ready or Not no PS5 não é o jogo mais bonito da geração, nem de longe. Mas ele não precisa ser. Os ambientes são densos, sujos, verossímeis. O realismo vem do desconforto, não da resolução. Uma parede com mofo conta mais história do que qualquer RTX com Ray Tracing no máximo.

No fim, o que impressiona é a coerência. Tudo naquele mundo parece pronto para quebrar, queimar ou explodir. E o console segura essa tensão que já existia no PC sem tremer.

A roda que decide quem vive

No PC, você aponta o mouse e clica. No PS5, você segura o botão errado e mata um civil.

A adaptação de Ready or Not para o controle é um exercício de amputação e gambiarra. Todo comando importa, mas nem tudo cabe nos botões. A solução? Uma roda de ordens (sensível, cheia, circular) que aparece como se fosse fácil de usar. Não é. Ainda mais porque ela tem vários subníveis e você dá o comando soltando o dedo do analógico.

No calor do combate, ela é um pesadelo. A curva de aprendizado não é curva. É um paredão. Tentar selecionar “flashbang pela direita” enquanto alguém grita do outro lado da porta é como escolher um tempero durante um incêndio. Você sabe o que precisa fazer, mas seu polegar às vezes não colabora.

No entanto, após algumas missões (e várias mortes evitáveis), você aprende. Não a dominar, mas a respeitar. A segurar os comandos como se fossem bisturis. Porque são. A roda é apenas uma lista. O que você decide com ela tem consequência física, moral e digital.

Remapear os botões ajuda. O jogo permite. Mas o dilema permanece: você está controlando uma equipe de elite com um controle que vibra quando erra. E vai errar.

Mesmo com todos os atritos, existe um prazer peculiar em vencer a fricção. Dar a ordem certa. Abrir na hora certa. Cobrir o ângulo certo. Quando tudo funciona, você se sente inteligente. Quando tudo falha, você volta para o menu em silêncio, segurando o R2 com vergonha.

Missões e mapas: toda porta esconde um inferno

Ready or Not não tem apenas fases. Tem missões que são armadilhas. Vinte, para ser exato. Cada uma disfarçada de restaurante barato, apartamento decrépito, loja de conveniência ou casa no subúrbio que alguém esqueceu de limpar após um massacre. Você entra acreditando que vai fazer justiça. Sai pedindo desculpas para o cadáver errado.

As missões sussurram. São soturnas, abafadas e apertadas. Os cenários são projetados para fazer você virar de costas e ser punido por isso.

Luzes piscam. Televisores ligam sozinhos. Há passos no andar de cima e respiração onde não deveria haver ninguém.

A variedade é boa no formato. Mas o sentimento é sempre o mesmo: tensão que não solta. Os layouts mudam, mas a claustrofobia é permanente.

Mapas como “Hunger Strike” e “Stolen Valor” são estudos de como sufocar alguém com arquitetura. O primeiro é curto, denso, sujo. O segundo, escuro como dívida antiga. Nele, andar sem lanterna é o mesmo que cavar a própria cova.

As novidades na versão de console incluem mapas remasterizados das fases antigas, agora com ambientações mais vivas e lore ambiental. E é aí que o jogo brilha: um rádio ligado com conversa entrecortada. Uma foto rasgada. Um desenho infantil no chão de um cômodo onde alguém chorou.

Não há narrativa convencional. Mas há história em cada sala. E a maioria delas termina mal.

Ready or Not entende que o terror não vem do tiroteio, mas do suspense e terror do que pode haver atrás da próxima porta. E quando você percebe que sua função ali é interromper essas histórias com gás lacrimogêneo e uma 12 na mão, começa a se perguntar quem é o monstro no mapa.

Censura sob colete

A versão para consoles é quase a mesma do PC. Quase. Porque antes de entrar no apartamento, alguém mexeu no código.

Por exigência da Sony e da Microsoft, Ready or Not teve que vestir sua brutalidade com um colete editorial. A violência continua, mas é calibrada. Como mencionado, o desmembramento agora ocorre apenas com alvos vivos. Mortos se tornam santuários invioláveis. Nada de continuar atirando para descontar o nervo. O jogo recua onde antes avançava.

E a missão Twisted Nerve? No PC original, havia uma garota convulsionando numa cama, cercada de pistas de abuso e descaso. Agora, ela dorme. O problema sumiu. O horror virou silêncio. A verdade foi sedada por protocolo.

Não dá para culpar completamente a Void Interactive. Eles deixaram claro: ou suavizavam essas arestas, ou o jogo não chegava aos consoles. O único erro é que para isso tiveram que mexer na versão do PC e isso causou revolta de bombing review em todas as plataformas.

Sim, o crossplay também impôs sua exigência, o conteúdo precisaria ser igual em todas as plataformas. Resultado: até o PC levou esse corte cirúrgico, sem anestesia.

O paradoxo é cruel. Um jogo que se propõe a retratar o grotesco, o urbano, o crível… agora edita sua própria feiura para se encaixar nas regras de um mercado que lucra com tiros, mas não com as consequências deles.

Nada disso arruína o jogo. Mas enfraquece demais o impacto. Onde antes havia um soco no estômago, agora há uma sugestão que fará muitos quererem instalar mods na versão para computadores para retornar aos tempos áureos.

Você ainda entra com a arma na mão. Ainda toma decisões em milissegundos. Mas algo foi filtrado. Algo que tornava Ready or Not menos um videogame e mais um documento.

Uso de IA, bugs e realismo

Se você gritar “mãos pra cima” num banheiro vazio por três minutos, é porque a IA falhou. Ou porque você falhou primeiro.

Em Ready or Not, a linha entre bug e realismo é fina como papel de parede barato. Os inimigos flanqueiam, armam emboscadas, se escondem atrás de portas que você já jurava ter limpado. De vez em quando, eles simplesmente desaparecem. E aí começa a dança macabra do esconde-esconde armado.

Você varre o mapa a passos lentos, repetindo “mãos pra cima!” como um louco em surto. Não porque é divertido, mas porque não há outro jeito de assegurar que o último sujeito armado não esteja deitado atrás de um sofá esperando você relaxar. E ele está.

Já os aliados… são bem-intencionados. Como recrutas no primeiro dia. Eles seguem ordens. Às vezes. Entram pela porta errada. Confundem comandos. Ficam parados olhando para a parede enquanto você toma um tiro pelas costas. E você assiste, com a arma engatilhada e a alma vazando raiva.

Mas há momentos em que eles surpreendem. Um flanqueio certeiro. Um disparo que te salva por milésimos. Um cumprimento seco após uma missão limpa. Momentos raros, mas intensos. Como quando um estagiário acerta tudo por acidente.

O realismo do jogo é brutal porque falha de propósito e também porque falha sem querer. A IA não é burra, mas é instável. E isso torna cada missão uma roleta: ou você domina o caos, ou ele te engole por um detalhe que não deveria estar ali.

E quando tudo dá errado, quando seu time cai um por um, quando o refém morre e você sai da casa ouvindo o rádio repetir “suspect down”… o jogo não te consola. Ele só te mostra o replay.

E, apenas às vezes, vendo aquilo de novo, você entende: o erro foi seu. O reflexo. O comando. A pressa. O tiro. Às vezes, o monstro é você.

O inferno em equipe

Sozinho, Ready or Not é um pesadelo calculado. Com mais quatro pessoas aleatórias? É um teatro de guerra improvisado onde ninguém decorou o texto.

No PS5, o matchmaking aqui foi um tiro no escuro. Literalmente. Você entra na sala da delegacia e espera. E espera. E quando alguém conecta, ou sai na hora, ou te puxa para uma missão no impulso: sem plano, sem tática, sem vergonha. Não há browser. Não há lobby tradicional. Você depende da boa vontade de desconhecidos que, às vezes, só querem gritar no microfone e estourar a primeira porta que veem.

E então, morre o realismo. Porque Ready or Not exige disciplina. Exige ritmo. Exige que alguém diga “cobre o ângulo” e outro entenda o que isso significa.

Com amigos, o jogo muda. Fica mais lento. Mais preciso. Mais desesperador, no bom sentido. A missão vira uma operação. Alguém lidera. Alguém hesita. E quando um erro acontece, você sabe exatamente quem culpar no grupo do WhatsApp. Isso, sim, é imersão.

O jogo não possui progressão. Nenhum sistema de XP. Nenhum desbloqueio. Você já começa com todas as armas, equipamentos e mapas.

Isso é ótimo, mas problemático. Ótimo porque remove o grind. Problemático porque falta um motivo para continuar jogando além da própria tensão com os colegas.

O crossplay está presente, mas não o cross-save. Consoles jogam com PC, mas você não leva seu progresso junto. É uma conexão parcial, como um abraço sem braço esquerdo.

No fundo, o multiplayer de Ready or Not é um espelho da vida: se você confiar nas pessoas erradas, vai morrer sem saber por quê. E para ser sincero, eu gostei bastante disso, só que quero jogar apenas com conhecidos para dar boas risadas.

Vale a pena jogar Ready or Not para consoles?

Depende de quem você é quando abre a porta. Se espera um shooter moderno, cheio de medalhas, upgrades e zonas seguras para respirar, definitivamente não. Ready or Not não quer te entreter. Ele quer te testar. Quer saber se você vai hesitar, recuar, falhar. E depois, se vai tentar de novo.

No console, o jogo entrega tudo o que importa: tensão, peso, consequências. Os controles ainda tropeçam, a IA ainda se perde, o conteúdo foi podado aqui e ali. Se você já jogou no PC antes, vai odiar. Se não jogou, vai precisar conferir pelo YouTube. Mas a alma do jogo, a pressão, o silêncio antes do tiro, o cheiro de culpa no controle está inteira. Quente. Pulsando.

Com amigos? Funciona como uma máquina de criar histórias traumáticas. Sozinho? É um curso intensivo de frustração, cautela e linguagem corporal onde cada missão é uma chance de errar diferente. E cada acerto parece um milagre.

Ready or Not no console é menor do que poderia ser. Mas ainda é maior do que quase tudo no gênero. Um simulador tático sujo, imperfeito e necessário, agora acessível sem precisar de um PC caro.

Jogar isso em um PS5 não vai te fazer sentir bem. Mas vai te fazer sentir algo. E isso já é mais do que a maioria dos jogos hoje em dia promete.

Prós

Jogo tenso e realista, com decisões que importam

Atmosfera imersiva com áudio 3D e ambientes densos

Feedback tátil do DualSense intensifica a experiência sensorial

Missões variadas e mapas que contam histórias através dos detalhes

Clima constante de tensão e imprevisibilidade

Sem foco em grind e cosméticos ridículos para armas e personagens

Multiplayer com amigos é intenso, divertido e estratégico

Contras

Controles adaptados com curva de aprendizado altíssima

Interface de comandos (roda) pode ser confusa e lenta no controle

Conteúdo extremamente censurado na versão console (missões alteradas, menos violência)

Matchmaking instável e falta de sistema de progressão

IA instável, tanto de aliados quanto de inimigos

Pode ser frustrante e solitário jogando sem amigos

Visual apenas funcional, abaixo dos padrões gráficos atuais

O jogo Ready or Not foi gentilmente cedido pela VOID Interactive no PS5 para elaboração desta análise.

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